Pote de ouro
Naquela calorenta tarde de novembro João Quirino fazia um novo cercado para o
chiqueiro que seus porcos haviam pouco a pouco destruido quando chafurdavam. O
enxadão batia no chão e retirava pedaços de terra enlameados. A cada tacada a
vala se afundava e se alongava um pouco mais. Seu sobrinho Onofre,
conhecido como Norfo, o ajudava. O local era a baixada do açude e a água
escorria barrenta e pegajosa . João afundava o enxadão e Norfo retirava o
excesso com uma pá enferrujada. O calor sufocava. A cada movimento do
enxadão, pingos de suor espirravam no chão e se misturavam com o barro.
-
Tio - disse Norfo - "tô" morrendo de calor.
- Calma,
menino, só mais uma hora e deixamos o resto para amanhã - respondeu o tio.
-
"Tá bão" - assentiu o menino e com o pé apertou a pá na terra.
João Quirino
continuava cavando e em dado momento percebeu que o enxadão bateu em alguma
coisa mais dura e ao forçá-lo ouviu barulho de algo se quebrando na terra.
Pediu a pá a Norfo, afastou um pouco a terra e percebeu alguns cacos.
Examinou-os com as mãos, pensativo.
-
Olha tio, tem mais aqui - disse o sobrinho recolhendo da terra mais alguns
pedaços.
- Deixa
eu ver - emendou João Quirino, tomando os cacos e examinando-os. Tem alguma
coisa escrita aqui.....deixa ver.......humm......"Cer.....". O que
seria isso?
- Olhe,
tio, achei mais alguns - mostrou o menino com mais alguns cacos
nas mãos.
João
Quirino tomou-os e tentou juntar os pedaços. Depois de alguns minutos percebeu
que tres dos cacos juntos formavam o fundo de uma espécie de vasilha, parecida
com uma jarra e dava para ver nitidamente a inscrição "Cerâmica
Lisboeta".
-
Cerâmica lisboeta........hummmm.........o que será isso? - indagou com seu
botões examinando o conjunto formado. Norfo - ordenou - pegue aquele
bornal ali e coloque isso dentro.
Depois
que encerraram o dia João Quirino foi à cidade, situada a uns cinco quilômetros
dali e levou o bornal com os cacos para que Zé Inácio, um dos moradores mais
antigos da cidade o examinasse. O menino foi com ele e João lhe deu alguns
trocados para comprar uns doces na venda do Modestinho.
João
Quirino chegou à cidade, amarrou o cavalo no varão do bar do Fredão e entrou.
Pediu uma pinga, colocou o bornal no balcão e passou a mão por dentro da
alça.
Enquanto
tomava a pinga alguns curiosos se aproximaram.
- O
que tem aí no "inborná", João?
- Nada -
respondeu ele - só uns cacos.
- Cacos?
De telha? De tijolo? E o que vai fazer com isso? Para onde está levando ?
- Ara,
pessoal, é assunto meu. Até
logo. E saiu, já
meio irritado.
- Tem
coisa aí - resmungou um.
- Se tem
- concordou outro. E pela janela foram espreitar o trajeto do homem, que
desceu a Rua Direita e virou na esquina da rua do cemitério.
Depois
da esquina João Quirino deu alguns passos, olhou para trás certificando-se que
os curiosos não o seguiam e chegou à casa do velho.
Zé
Inácio era oficial de
cartório
da comarca e historiador nas horas vagas. Era considerado bem informado por ser
a única pessoa da cidade que assinava o "Jornal do Rio de
Janeiro", que chegava ali com pelo menos uma semana de atraso.
Frequentemente era chamado para explicar acontecimentos políticos,
economicos,etc., quando também acrescentava alguns pormenores por conta
própria. Nessa época Getulio Vargas governava .
Bateu
na porta e uma voz anasalada gritou lá dentro:
- Quem
é? E o que quer? Estou ocupado
-
'tarde, seu Zé. É o João Quirino. Trouxe uns cacos para o senhor dar uma
olhada.
-Cacos??
E que tenho eu a ver com isso? Porque veio até aqui? - respondeu o velho
lá de dentro, sem abrir a porta.
-Isso
estava enterrado - explicou João Quirino.
-Enterrado?
Onde? - inquiriu o velho com um pouco de curiosidade.
-
No chiqueiro e......
-
No chiqueiro? - interrompeu o velho, irritado - e vem trazer essas
porcarias aqui? Vá embora, homem! Tenho mais o que fazer.
-
Seu Zé - insistia o outro - tem umas letras aqui. Venha ver.
O velho finalmente veio, abriu a porta e convidou João a entrar.
-
Vamos entrando, então. Deixe-me ver isso aí.
João Quirino juntos os cacos e o velho leu:
-
"Ceramica lisboeta".....Hummmm..... Isto veio de Portugal! .....
- murmurava o velho pegando os cacos e entrando em sua sala para examinar
melhor com sua lupa.
Enquanto isso o menino comprava doces na venda do Modestinho. Tonico Teles, um
dos italianos entrou na venda e o moleque o informou do achado.
-
Seu Tonico, meu tio achou uns cacos e trouxe para o "seu" Zé Inácio
olhar.
-
Cacos de que, moleque? - indagou o italiano, curioso.
-
"Tá" ali com o Seu Zé Inácio - indicou o moleque retesando os lábios
na direção da casa do velho.
Tonico, curioso como só êle, não se conteve e dirigiu-se à casa do
velho onde foi recebido com desdém depois de inventar uma desculpa para chamar
Zé Inácio.
-
O que quer aqui, carcamamo? Estou ocupado, não vê?
-Ah,
seu José.....deixa disso....é que aqueles documentos....
-Que
documentos? Não tem nada aqui, não. Pode ir embora, homem - disse o velho
indicando a porta.
Mas o italiano continuava ali, imóvel, como que aguardando alguma informação extra
que pudesse captar. Seus olhos percorriam a sala e se esgueiravam por entre as
portas dos outros cômodos. Num deles viu João Quirino e aproveitou:
- Compadre João, o senhor por aqui? - disse ele e já adentrando o cômodo no que
foi contido pelo velho.
- Mas será possível? Ainda não foi embora," ô veio tonto"? - exclamou
irritado o cartorário e pegando o italiano pelo
braço e levando-o
até a porta.
O italiano saiu contrariado mas foi se postar no quintal da casa vizinha de
onde imaginava poder ouvir a conversa dos dois homens. Esgueirou-se por entre
alguns pés de mamona, pisou em montes de bosta de animais e finalmente
chegou à janela, de onde conseguiu captar palavras e frases soltas:
- .....potes, para guardar as jóias e pertences.......alguns.....ouro.....
patacas....
- Hummmmmmmmm........- pensava o italiano - tem coisa nisso aí.
Ouviu
mais um pouco da conversa e se convenceu de que o homem havia achado algo
valioso. Saiu dali e dirigiu-se à casa de seu amigo e compadre Tonico Teles.
- Tonico - chamou ofegante o outro - vem cá. Tenho novidades. Sei não, mas acho
que o João Quirino achou um pote de ouro no chiqueiro dele.
- Pote de ouro no chiqueiro? E como foi parar lá? - perguntou o outro
incrédulo.
- Ma che bestia! - vociferou o outro italiano e contou o resto da
história.
- Nossa! Um pote de ouro! - exclamou o outro depois de ouvir a história - mas
pelo jeito ele achou só um pedaço do pote. né? E se a gente.......
- Se a gente o quê? - indagou o outro.
- Bom......quero dizer.......a gente podia.....
- Caspite! Ele achou só pedaços do pote. Isso mesmo. O ouro deve estar lá
então. Que tal se a gente.......
Nem um nem outro queria dizer, mas ambos estavam babando de vontade de ir até a
chácara de João Quirino procurar o suposto ouro do pote. Um olhava para o
outro e este desviava o olhar. Finalmente não se contiveram e
disseram quase ao mesmo tempo:
- Vamos para lá!!!
Gusto Fidelis foi para os fundos da casa, pegou um saco e um enxadão enquanto
Tonico Teles ia para sua casa pegar uma lanterna de querosene. Já eram quase
seis da tarde e daí a pouco começaria a escurecer. Combinaram que iriam lá com
a noite caindo porque não queriam que outras pessoas os vissem nem o próprio
João Quirino.
Já eram seis e meia da tarde quando os dois italianos se dirigiram à chácara de
João Quirino. Um pouco antes da saída da cidade , na Rua Direita, ficava o Bar
do Fredão, mas os dois desviaram por uma viela para evitar se encontrarem
com algum conhecido.
-Tonico
- disse Gusto, parando de andar e fitando o companheiro - estive pensando. E se
o João aparece por lá enquanto estamos procurando o pote? Se acharmos ele vai
querer tudo pois afinal está em sua propriedade.
-
Ih, é mesmo - concordou o outro italiano - precisamos dar um jeito de retê-lo
aqui na cidade. Mas como?
-
"Peraí", ele deve estar ainda lá no bar do Fredão. E se a
gente........
- E se a gente o quê? - interrompeu o outro.
-
Tava pensando, aquele menino veio com êle, né? O sobrinho dele.
- Sim? - indagou o outro ansioso para conhecer o resto do plano.
- A gente volta lá na venda. Deixa uns tostões com o moleque e manda ele
comprar pinga para o João Quirino . Do jeito que ele é, vai beber tudo hoje
mesmo e volta "cambetiano" para a chácara noite alta. Enquanto isso
vamos lá, cavocamos, pegamos o pote e voltamos para cá. Ninguem vai perceber. O
que acha da idéia, Tonico?
- Perfeita! - exclamou o outro esfregando as mãos - tenho aqui duas moedas.
Você tem alguma coisa aí? Precisamos dar o dinheiro para o moleque comprar a
garrafa de pinga, então.
Gusto chacoalhou os bolsos da calça, fez um gesto de reprovação com os lábios e
informou o outro de que não tinha nenhum dinheiro.
- Ah, bom eu já sabia - comentou o outro contrariado. Bom, duas moedas deve dar
para comprar uma garrafa. Vamos passar na venda do Modestinho, o moleque deve
estar lá ainda.
Fizeram então meia volta, se esgueiraram por algumas vielas e quintais abertos
e chegaram à venda. De fato o moleque ainda estava lá comendo doces na porta.
Gostava de "bolachão" uma espécie de biscoito que o furgão da Doces
Neusa entregava toda semana nas vendas da região.
Os
dois chegaram proximo à porta da venda e chamaram o moleque. Não queriam se
aproximar muito para não dar de cara com mais curiosos.
-
Ô moleque vem cá. Toma aqui duas moedas para comprar uma garrafa de pinga.
Depois leve-a ao seu tio e diga que foi presente nosso. Mas vá já, hein? -
recomendaram em uníssono.
Nem esperaram resposta e retomaram o caminho da chácara de João Quirino e às
vezes olhavam para trás para se certificarem de que não estavam sendo seguidos.
Na
porta da venda o moleque segurava as duas moedas e comia o resto de
um bolachão que havia comprado. Olhava para as moedas em sua mão. Duas.
Daria para comprar mais alguns bolachões. Não! Os dois italianos pediram para
comprar pinga e não bolachão. Ah! Mas aqueles dois
tontos..........poderia.........bolachão.........deliciosos....... Sua boca
salivava. Nisso entra um freguês e compra cinco bolachões. O menino conta os
que restaram na vitrina. Quatro. E se chegar mais alguem e comprar tudo?
Hummmmm........bem.......será que se comprar a pinga ainda sobra alguma
coisa?
- Seu Modestinho - pergunta o moleque - quanto custa uma garrafa de pinga?
-
Moleque, tá louco? Nessa idade e bebendo pinga? Quer virar um cachaceiro
que nem o seu tio? - respondeu o vendeiro.
- Não, seu Modesto. A pinga é para o meu tio mesmo. O "seu"
Gusto que mandou comprar - respondeu o moleque.
- Ah, bom. A Miss Caramba custa "destão" (*) e a
Valencia custa oito. Qual delas o seu tio quer? Mas espere aí.... O Gusto
mandou comprar pinga para o seu tio? E por que? - indagou o vendeiro curioso.
- Sei não, seu Modesto. Ele disse que era presente. Se eu levar a Valencia
quantos bolachões dá para comprar com o troco? - perguntou o moleque.
- Dois - respondeu o vendeiro.
- Então levo essa e mais os dois bolachões, seu Modesto. Aqui tem duas moedas
de cinco. - e entregou as moedas ao vendeiro que lhe passou a garrafa de pinga
e ia embrulhando os bolachões quando foi interrompido:
- Não precisa embrulhar não, vou comer agora mesmo.
- Tá doido, moleque? Já comeu tres e vai comer mais dois? Isso faz mal.
O moleque nem lhe deu ouvidos. Pegou os dois bolachões, sentou-se na calçada e
pôs-se a comê-los.
Nesse meio tempo os dois italianos chegaram à chácara de João Quirino.
Procuraram o local do chiqueiro e encontraram a vala ainda aberta.
Certificaram-se de que não foram seguidos, acenderam a lanterna e
começaram a cavar revezando-se.
–
Olhe, compadre, foi aqui que ele achou os cacos. O resto do pote deve estar
aqui perto. Vamos cavar rápido.
– Tonico
– indagou o outro – será que tem só um pote? E se tiver mais que um?
–
Bem, cavando a gente descobre – e batia o enxadão com força enquanto o outro se
encarregava retirar o excesso de terra com uma pá que João Quirino havia
largado por ali.
A
noite ia aos poucos se fechando e os dois ali cavando. Á medida que a vala ia
se aprofundando os dois compadres se revezavam nas tarefas. Suavam. O fogo da
lanterna de querosene ia se esvaindo. Os dois praguejavam. Cavavam já há duas
horas e nada de pote de ouro. Só cacos.
Enquanto
isso na cidade, o menino havia entregue a garrafa de pinga a João Quirino e
este intrigado com o inesperado presente inquiriu o sobrinho:
–
Presente para mim? Tem coisa, aí! Esses carcamanos estão aprontando alguma
coisa. Bom, já que me deram vamos experimentar agora mesmo.
E sorveu um gole na própria
garrafa.
– Bem, agora vamos passar lá no
seu Zé Inácio para ver o que ele descobriu sobre aqueles cacos que “tavam” no
chiqueiro.
Sorveu mais um gole. O menino o
acompanhava nos passos e às vezes passava as mãos na barriga, que doía. Havia comido cinco bolachões e o
efeito estava se fazendo sentir.
– Ai, tio que dor de barriga....
– O que você comeu, Norfo? –
indagou o tio.
– Eu? Bem.....nada.....só uns
doces que.....– e não conseguiu terminar a frase.
Mal teve tempo de se recostar num
muro e começou a vomitar. O tio olhava aquilo com asco. Sabia que o menino era
louco por doces. Devia ter comido além da conta e agora mais essa! Já estavam
atrasados para voltar à chácara, a noite já havia chegado e ainda precisava
passar na casa do cartorário.
Depois de alguns minutos o menino
se recompôs e os dois se dirigiram à casa do velho. Entraram. Sobre a mesa da
sala alguns livros, algumas anotações e os cacos dentro de uma bandeja de ferro.
– E então, “seu” José, o que me
diz? Será que é mesmo algum pote de ouro? – indagou João Quirino esperando
ansioso uma resposta positiva.
– Qual pote, que nada! Isso aqui
é apenas parte de algum objeto quebrado que alguém jogou por lá. Com o tempo
foi se afundando na terra e no barro. O senhor só os achou porque cavou no
local exato onde estavam. Isso aqui não vale nada. Se fosse mesmo de um pote, de ouro ou não, ele seria mais alto,
mas veja aqui – e apontava para os cacos – estes aqui são de algum objeto mais
baixo, uma jarra ou uma bandeja talvez.
– .......hummm......– interrompeu
João Quirino, então trouxemos à toa isto para cá, né?
– Sim, assentiu o cartorário.
Pesquisei nos meus livros e não achei nada. Isto veio de Portugal com certeza,
mas não vale nada. Pode levar os cacos de volta – e entregou-os a João Quirino
depois de colocá-los no bornal.
– “Ta bão”, seu Zé, desculpe o
incômodo. Mas é que pensei que valesse alguma coisa ou que tivesse um pote de
ouro por lá.
– Pote de ouro......bah! – e
praticamente empurrrou tio e sobrinho para fora enquanto se despedia dos dois.
Já na rua, João e o sobrinho não
tendo mais nada que fazer na cidade resolveram voltar à chácara. Nessa hora uma
fina garoa impregnava suas roupas e João sorveu mais um gole da garrafa enquanto
o menino se incomodava com o frio que começava a fazer. Até a chácara eram uns
cinco quilômetros e João propôs aguardarem no bar do Fredão que a garoa
passasse. Foram para lá. Ao passarem em frente à venda do Modestinho, que nesse
momento fechava as portas o moleque levantou a cabeça e olhou para a vitrina de
doces na esperança de que houvesse sobrado algum bolachão. Nenhum. Frustrou-se.
Seguiu o tio pensando que talvez o Fredão também vendesse bolachões em seu bar.
A garoa, nesse momento já havia se
transformado numa chuva rala.
Ao entrarem, deram de cara com os
curiosos que antes haviam questionado o conteúdo do bornal.
– E então, João? Quanto ouro
tinha no pote? – provocou um.
– Quantas patacas? – ironizou
outro.
– Hahahahahaaaaha.......– gargalharam
em coro enquanto olhavam para João com desdém.
João, sem responder, mas cheio de
raiva recostou-se a um canto, abriu a garrafa e tragou mais um gole da pinga.
Achou que estava deliciosa. Olhou para o pessoal que ainda gargalhava,
consultou o que sobrara na garrafa e decidiu-se: beberia o resto. Afinal, com o
frio que fazia precisava mesmo se esquentar um pouco e aquela garrafa que os
dois italianos lhe deram viera a calhar. Os dois italianos. Mas porque será que
lhe deram uma garrafa de pinga de presente? Ambos tinham fama de sovinas. Tinha
coisa, aí, com certeza. Bem, poderia verificar isso num outro dia. O importante
é que agora sentia-se em condições de enfrentar os gozadores ali no bar.
Na chácara os dois italianos
embaixo da chuva continuavam a cavar. A terra que removiam misturada com a água
da chuva havia se transformado num imenso barreiro. Já nem conseguiam cavar
direito. Escorregavam. Levantavam-se, brandiam o enxadão e a pá mas parecia que
a vala continuava do mesmo jeito. Em alguns pontos só viam a água que empoçava.
– Que horas será que são,
compadre? – perguntou Tonico, apoiando-se no cabo do enxadão enquanto Gusto
tentava retirar o barro com a pá.
– Acho que umas nove da noite –
respondeu o outro.
– Nossa! Já estamos cavando há
quase duas horas e nada do tal pote. Sei não, compadre, acho que não tem pote
nenhum por aqui. Nem de ouro nem de nada. Vamos é pegar um “baita difrusso”
aqui com esse frio e esse barro aqui
– Também acho, compadre, mas
aquele porquera do Zé Inácio é que falou que tinha pote de ouro aqui. Eu
escutei direitinho.
– Compadre – ponderou o outro –
pense bem. Se o Zé Inácio tivesse falado para valer que tinha pote de ouro, você não acha que o João Quirino é
que estaria por aqui cavando em nosso lugar?
–...hummmm.....é verdade, Gusto.
Ainda mais com aquele velho muquirana do Zé Inácio também sabendo. No mínimo os
dois estariam aqui. Acha que ele não viria aqui com o João? Com certeza que
sim!
– Pois é, compadre. Acho melhor
largamos isso aqui e voltarmos para a cidade. Aqui não tem merda nenhuma de
pote de ouro. Cáspite!
– É. Vamos embora. Largue tudo
isso aí, e pronto!
E se foram em direção à cidade.
No bar do Fredão, João Quirino
tentava equilibrar-se nas pernas mas sentia que faltava um ponto de apoio.
Apontava para os que zombavam dele ali e os ameaçava:
– Vamos.....seus......vamos ver
quem é....– e cambaleava. A certa altura caiu no chão e como não conseguia se
levantar ficou ali mesmo, sendo motivo de mais chacota.
O menino, a um canto, morto de
vergonha e medo, tiritava de frio. Fredão se aproximou e deu-lhe um gole de
groselha.
– Tome, moleque. Beba isso, vai
te esquentar um pouco.
– Ei, pessoal, venham ver uma
coisa – chamou um dos presentes – vejam aquilo ali. Aqueles dois parece que
caíram num monte de barro.
E todos se dirigiram à porta do
bar. Eram os dois italianos, que frustrados, voltavam da chácara. Completamente
encharcados de barro passaram direto e nem sequer se atreveram a olhar para a
porta do bar certos que seriam alvo de troça.
– Mas que diabos! Onde esses dois
estavam? E olhe lá, um deles tem um enxadão. – observou alguém.
No canto o menino se levantou e
também foi à porta observar o que se passava. Viu os dois velhos encharcados e
com o enxadão às costas e começou a se lembrar do que ambos disseram antes de
lhe dar o dinheiro para a pinga e os doces.
– Seu Fredão, eles mandaram eu
comprar pinga para o tio e me deram dinheiro para comprar doce – informou.
– Dinheiro para comprar pinga
para o seu tio? Mas que negócio é esse, moleque? – indagou Fredão, já bastante
interessado.
– É. Logo depois que meu tio
conversou com o “seu” Zé Inácio. Meu tio pensou que os cacos que achou eram de
um pote de ouro que “tava” enterrado lá
no chiqueiro.
– Pote de ouro no chiqueiro? –
indagou Fredão tentando concluir – mas será possível que esses dois
bocós........
– Hahahahahahahahahaha........–
gargalharam em uníssono os presentes – quer apostar como os dois foram lá na
chácara do homem procurar o tal pote de ouro? Hahahahahaha.....
E o bar todo foi uma gargalhada
só. O menino também se empolgou e entrou no clima. João Quirino dormia
pesadamente no chão e Fredão vendo que já estava na hora de fechar o bar,
determinou:
– Bem, larguem o homem aí. Joguem
um “baxero” nele para não morrer de frio. Você
moleque, deite-se ali até amanhã
cedo e se cubra com isto – e apontou
para um sofá velho e rasgado enquanto entregava ao moleque um pedaço de
cobertor ensebado.
No outro dia cedo quando Fredão
abriu novamente as portas do bar João Quirino acordou, movido pelo barulho.
Sentiu que havia se mijado todo durante o sono, levantou-se envergonhado e
acordou o menino. Fredão nada lhe falou sobre a peripécia frustrada dos dois
italianos.
Ao chegar à chácara João
estranhou o tamanho da vala que havia iniciado no dia anterior.
– Mas o que aconteceu aqui? –
indagou para si mesmo enquanto olhava para o monte de barro e a desordem total
em que estava o local.
– Tio, o Fredão disse que foi o
“seu” Gusto e o “seu”Tonico que vieram aqui cavocar para ver se achavam o pote
de ouro – falou o menino.
– Pote de ouro? Aqueles dois
bocós? Hahahahaha.....eu não acredito.......se encheram de barro pensando que
tinha pote de ouro aqui......hahahahahahahaaha
João recostou-se no mourão do
chiqueiro e ria a mais não poder. Olhava para o sobrinho e ambos riam.
Gargalhavam.
Na cidade, logo que Fredão
terminou de abrir o bar e dar um acerto geral na coisas, os costumeiros
desocupados começaram a aparecer e o assunto era um só: o pote de ouro que os
italianos foram procurar no chiqueiro do João Quirino. Cada um que chegava era
informado do fato e as gargalhadas rolavam soltas .
Todos queriam encontrar os dois
italianos para caçoar dos mesmos. Em vão. Por duas semanas ninguém os viu na cidade.
As casas fechadas. Na venda do Modestinho nem apareceram. Deviam ter mantimentos
em estoque pensava o vendeiro. Mas uma hora acaba e eles terão que aparecer.
A história se propagou e João
Quirino mandou colocar uma placa na entrada da sua propriedade: “Chácara do
pote”.