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sábado, 30 de junho de 2012

A feira livre




É sempre muito prazeiroso ir todos os sábados pela manhã à feira livre da Bela Vista em Santo André. Estaciono o carro e já vem um flanelinha pedindo para tomar conta do carro. Sempre fico pensando, se aparecer alguém e mexer com o meu carro será que o flanelinha sairá correndo para me avisar? Hahhaha, doce ilusão!

No começo da feira as cocadas da Rosa são uma tentação. Tenho que passar olhando para o outro lado, mas ali está a kombi de caldo de cana (lá em MG a a gente chamava de "guarapa") do Zé. Uma delícia. Mas sempre depois do pastel da Elisa.

Em seguida vem a banca de bananas do Akira. "Vai a prata, hoje? Está madurinha!"

Depois a banca de frutas do corinthiano Josimar, sempre gritando para atrair a freguesia. "O caqui fuiú hoje está ótimo!". Ah, é? Quer dizer que o que comprei na semana passada estava ruim? Hhahahaha

Bem em frente, outra banca de frutas, a da Silvia. Mais comedida e sempre simpática,  acabo sempre comprando alguma coisa dela.

Descendo um pouquinho mais uma banca de frutas, a do Geraldo e das loiras, quatro irmãs que "tomam conta" da linha de  frutas dessa feira. Sempre simpáticas e circulando por toda a feira ajudando os fregueses a levar as compras para os carros.

Em seguida vem a Sumiko, da banca de tomates, batata e ovos. Sempre dizendo que os tomates que vende são diet e os ovos vem da granja do primo "Takaro". Sempre reclama dos empregados relapsos que ao invés de atender a freguesia ficam conversando entre si.

Bem em frente à banca da Sumiko a banquinha de ervas da Dona Rosileide. Tem ervas para tudo quanto é sintoma, desde unha encravada até mau-olhado....hahaha

Do outro lado da rua, a banca de legumes da família Okino. Sempre atenciosos e sorridentes com a freguesia. Pergunto se tem couve-de-Bruxelas e dona Akemi responde: "Hoje o 'bruxera
' ruim, tempo muito frio". Tá bom, então levo só os pepinos e a abobrinha trombone.

Agora a banca de cocos da Mariana. Hum, que delícia, me dê aquele ali. Será que tem bastante água?

Vamos descer agora e dar uma  paradinha na banca de verduras do Anacleto. Hummmm...essa alface americana está muito bonita! Essa couve, ah! deve ser deliciosa. Um maço de cada.

Ôpa, quase ia esquecendo...a banca do Dorival, com utensílios para casa e também consertador de tampas de panelas e de colocador de cabos em vasilhas. Dá jeito em tudo!

Ah, agora sim, vamos às bancas de frios, carnes e peixes.

De cara, a Dona Etelvina, vendedora de frios bovinos e sempre falando dos dois cachorros que todos os sábados vem "almoçar" os restos que ela lhes dá. "Hoje só apareceu um deles" -comenta. Hummmm....Dona Etelvina, me prepare 3 bifes de coração.

Hummmmm...ao lado a banca de peixes, como será que está o Saint Peter hoje? E o salmão? O que? R$46,00 o quilo? Melhor deixar para outro dia!

Bem, agora, sacola cheia, vamos embora, ah, lá vem alguem se oferecendo para carregar a sacola até o carro. Um real está bem pago o serviço. Certa vez, ofereci uma das maçâs que havia comprado e ele me disse: "Prefiro dinheiro pois não gosto de maçã". Cada uma!!

No caminho até o carro encontro conhecidos: o Juvenal, da banca de jornais, o "seu" Orlando da loja de divisórias, o Arnaldo da cachaçaria, a Dona Silvana, da loja de sucos, que sempre vem com sua auxiliar Dinorá, o....ah, são tantos. A feira sempre é um bom lugar para encontrar os amigos, comentar as notícias do dia e rir um pouco.

Bem, compras no carro, um real para  o flanelinha e  vamos para casa agora......ih, esqueci do almeirão!

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Literatura - Fernando Pessoa em inglês


As to a child                                                                                      

As to a child , i talked my heart asleep                                        
With empty promise of the coming day,                                       
And it slept rather for my words made sleep                                              
from a thought of  what their sense did say                
For did it care for sense, would it not wake                            
And question closer to the morrow’s pleasure?                        
Would it not edge nearer my words, to take
The promise in the meting of its measure?                                  
So, if  is slept, ‘twas that it cared but for     
 present sleepy use of promised joy,                                                            
Thanking the fruit but for the forecome flower          
hich the less active senses best enjoy..                                         
              Thus with deceit do I detain the heart                           
              Of which deceit’s self knows itself a part.     
                                                                             
Como criança que fôra

Como criança que fôra, o coração embalo
Com o vago prometer do dia de amanhã
E ele adormece mais porque o falar faz sono
Que por achar sentidos no falar que digo
Pois, se os pensara acaso não acordaria
Para inquirir ao certo o dia de amanhã?
Não cingiria o jeito das palavras para
A promessa conter na forma que medisse?
E assim, se dorme, apenas é por se entregar
Ao de hoje sono que há na prometida festa
Agradecendo o fruto pela prévia flor
Que os sonos menos acordados melhor gozam
                  Eis que de enganos só meu coração detenho
                  Do qual o mesmo sabe que é uma parte.

Cinema - Cenas inesquecíveis de filmes


Como esquecer cenas inesquecíveis de alguns filmes?
1) Julie Andrews(Maria)  e as crianças cantando "The sound of music" no filme de mesmo nome e câmera se afastando e mostrando as montanhas ao fundo.
2)Demi Moore(Hester Pryne) andando pela cidade com a letra "A" no pescoço e o moleque batendo o tambor em "A letra escarlate".
3)Richard Gere (Lancelot) falando para Julia Ormond(Guinevere): "Não posso me apaixonar por você. Só tenho um coração para perder".
4)Humphrey Bogart (Rick) no clássico "Play it again, Sam" em Casablanca. No mesmo filme, o avião decolando com Ingrid e o marido e Humprey e o capitão saindo para tomar uma bebida
5)Burt Lancaster e Deborah Kerr no famoso beijo na praia em "A um passo da eternidade"
Comente aqui sobre as suas cenas inesquecíveis também

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ítaca


ÍTACA 
Konstantinos Kaváfis
(Tradução de 
José Paulo Paes)

Se partires um dia rumo a Ítaca, 
faz votos de que o caminho seja longo, 
repleto de aventuras, repleto de saber. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes 
nem o colérico Posídon te intimidem; 
eles no teu caminho jamais encontrará 
se altivo for teu pensamento, se sutil 
emoção teu corpo e teu espírito tocar. 
Nem Lestrigões nem os Ciclopes 
nem o bravio Posídon hás de ver, 
se tu mesmo não os levares dentro da alma, 
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo. 
Numerosas serão as manhãs de verão 
nas quais, com que prazer, com que alegria, 
tu hás de entrar pela primeira vez um porto 
para correr as lojas dos fenícios 
e belas mercancias adquirir: 
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos, 
e perfumes sensuais de toda a espécie, 
quanto houver de aromas deleitosos. 
A muitas cidades do Egito peregrina 
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente. 
Estás predestinado a ali chegar. 
Mas não apresses a viagem nunca. 
Melhor muitos anos levares de jornada 
e fundeares na ilha velho enfim, 
rico de quanto ganhaste no caminho, 
sem esperar riquezas que Ítaca te desse. 
Uma bela viagem deu-te Ítaca. 
Sem ela não te ponhas a caminho. 
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre. 
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência, 
e agora sabes o que significam Ítacas.

domingo, 24 de junho de 2012

Indo ao Shopping

As reformas que o Shopping ABC (Santo André-SP) que ainda chamamos de "Mappin", fez nos pisos e na estrutura só prejudicaram o frequentador.

A escadaria central foi removida, o que obriga os usuários, quando as escadas rolantes estão interrompidas, a procurar uma do outro lado, que funcione, tendo em vista que os elevadores desse shopping são verdadeiras lesmas.

Em alguns pisos os banheiros, que antes atendiam masculino e feminino , agora restritos a apenas um deles, obriga os usuários a novas caminhadas.

A praça de alimentação foi remodelada e, além de ter piorado o visual, obriga os usuários a fazer verdadeiros malabarismos para se movimentar entre as mesas e acessar a escada rolante.

Os bancos que ficavam nos pisos e que ajudavam muito, principalmente idosos, foram removidos sem explicação e simplesmente não há mais lugares para alguém se sentar fora da praça de alimentação ou em algum quiosque comercial.

Nessa reforma uma das poucas coisas boas foi a demarcação no estacionamento
de mais vagas para idosos e deficientes, embora ache que os seguranças deviam ser mais rigorosos com os espertinhos que usam essas vagas sem ter o direito.

Estes comentários e críticas, os estou fazendo porque frequento esse shopping há anos, praticamente todos os dias e gostaria de vê-lo sempre melhorando.

Muitos funcionários de lojas conheço por nome: as atendentes do McCafé, Jaqueline e Daiane, sempre com um sorriso no rosto, a caixa Bruna, da Drogaria São Paulo, que antes também trabalhava no McCafé, a gerente Isabel, do Habbib's, que conheço desde os primórdios do shopping, o meu amigo Evandro da Papelaria Murador, as atendentes Sandra e Débora da lotérica, os atendentes das livrarias Nobel e Saraiva e muitos outros.

São pessoas com quem a gente tem, além do relacionamento comercial, um relacionamento pessoal de admiração pela forma cortês e educada com que nos atendem.

Para finalizar, um pequeno relato do que acontece quando a gente estabelece uma relação de cordialidade e admiração por pessoas que nos atendem bem em qualquer tipo de estabelecimento: certa vez eu estava no McCafé e vi chegar uma moça que sorriu e se encaminhou para a minha mesa. De início não a reconheci, mas ela se identificou dizendo: "-Não está me reconhecendo, pois estou sem o uniforme da loja, né? Sou a Juliana, e estou deixando o emprego. Como sei que o senhor sempre vem neste horário, vim aqui para me despedir..."

Sem comentários, né???

Um pouco de matemática

http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=020150071025

Um pouco de Matemática

Nesta semana comemoramos (até o Google fez isto) o centenário do nascimento de Alan Turing, precursor do principio de funcionamento dos computadores. Sua invenção, conhecida como "Máquina de Turing" até hoje influencia matematicos e estudiosos da computação eletrônica.

Favos de mel

     Porque as abelhas fazem favos hexagonais e não de outro formato? 

     A resposta é que as abelhas, na sua infinita sabedoria, descobriram que o formato hexagonal é o que utiliza a menor quantidade de cera para 
construir o favo. Se não, vejamos( supondo que o favo tenha 1 cm de comprimento e meio milimetro (0,05 cm) de parede lateral): 

     Ele não poderia ser redondo, pois não se encaixaria com os demais e sobraria espaço entre um e outro. Na verdade os únicos formatos de 
polígonos regulares (lados iguais) que se encaixam perfeitamente são o triângulo, o quadrado e o hexágono. 

Suponha que uma abelha queira construir um favo para armazenar meio mililitro de mel. Meio mililitro é igual a 0,5 cm ³. 
Sabemos também que 

Volume= área x comprimento 
0,05 cm³ = área (cm²) x 1 cm, portanto Área = 0,5 cm² 

Vamos calcular a quantidade de cera necessaria: 

Q cera = perímetro x espessura da parede x comprimento 
(considerando que todos os formatos tem que proporcionar uma área de 0,5 cm². 

Formato triangular: Q cera = 3,45 cm x 0,05 cm x 1 cm = 0,1725 cm³ 

Formato quadrado: Q cera = 2,83 cm x 0,05 cm x 1 cm = 0,1415 cm³ 

Formato hexagonal: Q cera = 2,62 cm x 0,05 cm x 1 cm = 0,1310 cm³ 


Como se observa, o formato hexagonal é o que utiliza a menor quantidade de cera. 

sábado, 16 de junho de 2012

Quem nunca......


... chamou couve de Bruxelas de "aqueles repolhinhos"?
... freou bruscamente ao ver um radar na rua e levou uma batida na traseira?
... se sentiu inteligente ao comprar de um camelô por R$5,00 uma caixa de pêssegos que ele pediu inicialmente R$20,00 e ao chegar em casa verificou que a maioria estava podre?
... começou a ler uma revista numa sala de espera, viu uma notícia importante e depois descobriu que era de 5 anos atrás?
... pegou uma estrada e ao chegar ao pedágio descobriu que não tinha um centavo no bolso?
... se sentiu esperto ao se livrar de um congestionamento desviando para outra rua e depois descobriu que era rua sem saída?
... comprou alguma coisa no mercado por preço inferior ao da compra anterior e depois descobriu que a embalagem era menor?
... resolveu passar com o carro por cima de uma caixa de papelão na rua e depois de um tranco no pneu descobriu que havia uma pedra dentro da caixa?
... se sentiu esperto ao comprar uma passagem de avião por metade do preço e no dia do embarque perder o vôo e ter que pagar o triplo para conseguir embarcar no vôo seguinte?
... achou que falava bem o inglês e depois passou a maior vergonha quando não conseguiu entender nada do que o chefe conversava com o diretor da matriz americana?
... armou um barraco com algum atendente e depois verificou que estava no guichê errado?
... dormiu no cinema e acordou com o próprio ronco?
... sugeriu ao amigo que estava ao volante do carro um caminho alternativo que os levou a um congestionamento monstro pior do que o que queriam evitar?
... resolveu experimentar o carro novo de um amigo e o jogou num buraco enorme na rua ou bateu a roda na calçada?
... perguntou a uma conhecida se aquela moça com ela era sua filha e ela respondeu que era sua irmã?
... prometeu que nunca mais comeria um pacote inteiro de bolachas amanteigadas?
... prometeu que jamais comentaria posts na Internet?

domingo, 10 de junho de 2012

A destala de fumo




 A plantação da roça de fumo se iniciava no mês de outubro com a preparação do canteiro. Geralmente era feito em locais baixos e úmidos e  de preferência perto de alguma mata. No começo de janeiro, com as mudas já prontas era feito o replantio e dois meses depois a primeira carpa. No mês de maio a planta já soltava pendões que tinham de ser tirados para que não crescesse demais . Mais uns quarenta dias e os brotos no vão das folhas também tinham que ser tirados.
Daí em diante as folhas começavam a amadurecer, apresentando-se grossas meio amareladas. Inicia-se então a panha das folhas que eram empilhadas e depois transportadas para a sede onde eram penduradas por cerca de um mês em varões de madeira dentro de paióis ou galpões para secagem.
Depois de secas as folhas eram preparadas para a destala, um ritual sempre esperado pela vizinhança, pois era praticamente quando todos se reuniam para conversas regadas a café, pinga e bolo de fubá.
Na destala propriamente dita cada um pegava um pouco de folhas do monte que ficava no meio da sala e ia tirando os talos manualmente, com canivete ou faca. As folhas destaladas iam sendo colocadas sobre as pernas e quando atingiam uma quantia que começasse a cair eram pegas pelo coxeador que as levava para enrolar no bacamarte, uma espécie de rosca-sem-fim talhada num rolo de madeira e no qual as folhas se transformavam num fio de cerca de um centímetro de diâmetro.
Esse fio era, depois, trançado em grupo de três formando uma corda que era enrolada num rolo de madeira e junto com os demais iam para um galpão onde eram colocados em pé para cura.
Depois de alguns meses o fumo já estava pronto para a venda ou consumo próprio.
Ali em Campo Místico as variedades mais cultivadas eram o Barbosa, o Poço Fundo , o Goiano, o Piranchin e o Descalvado.

Chico Furquim era um dos produtores mais conhecidos no bairro. Ele mesmo não trabalhava em suas roças, sempre contratava pessoas desocupadas, os chamados camaradas. No dia da destala contratava violeiros para animar os locais e vez ou outra mandava vir de Ouro Fino a dupla de cantores  Nhô Firmino e Nhá Zefa muito conhecida na região e grandes animadores.

Naquela noite a destala ia adentrando a madrugada e na cozinha as mulheres não davam conta de fazer café e bolo para o pessoal. Num canto, meio arcada, Chica Mineira dava as ordens para as outras mulheres.
-Vamos, pessoal, esquenta logo essa água. Florinda, mexe mais a massa!
Chica, tida como especialista em cozinha ali no bairro sempre era requisitada e cumpria sua missão com elogios. Nunca era paga em dinheiro, que era escasso por ali, mas com latas de azeite, sabão em pedra ou tigelas de doces.

Nas destalas do bairro uma figura de destaque era o coxeador Mário Boné. Cara avermelhada, mangas arregaçadas, camisa sempre fora das calças, ia determinando o ritmo da destala, ora  ralhando com as crianças que corriam pela sala , ora repreendendo  os relapsos e devolvendo as folhas mal destaladas. 
-Moleques, parem com esse frege! Olha aqui, seu Tranquinha, isso é jeito de destalar? Que serviço porco!! Pode fazer tudo de novo e de roda batida, viu?
Ninguém ousava contestá-lo. Tinha décadas de prática e jeito para comandar a destala e coxear os rolos de fumo.

Na destala alguns apareciam apenas para aproveitar a oportunidade para comer bolo e beber pinga de graça. Outros para flertar com as moças da vizinhança. Notava-se perfeitamente pelas mãos ensebadas pelo fumo quem realmente estava trabalhando e quem só enganava.
­– Seu Chico – reclamava Mario Boné – nunca mais chame esses filhos do Manézinho, pois esse pessoal só vem às destalas para atrapalhar, beber e fazer folia. Agora há pouco, estavam bêbados e brincando de um carregar o outro nas costas. Enquanto isso o monte de fumo ali  no meio esperando......
– Deixe eles, Mário.  O Manézinho é meu compadre e os rapazes gostam de aproveitar para se divertir um pouco.

Num canto da sala, dois italianos, com algumas folhas destaladas nas pernas, comentavam tudo que se passava. Não lhes escapava nada nem ninguém.
– Tonico, valda quella ragazza.....
– Si, Gusto. Che c’è?
– Desde que chegamos ela não destalou uma folha sequer. Só ficou conversando com o filho do Bataginni.
– Quem é ela, Gusto?
– É a filha do João Alemão, aquele da serraria.
– Nossa! Como ela cresceu e virou uma môça. Nem a reconheci, Gusto.
Nisso, Mário Boné se aproximou para pegar mais folhas destaladas e vendo que os dois não tinham aprontado quase nada, vociferou:
– Seus molóides! Ficam especulando o tempo todo e não destalam nada! Que raça, esses italianos!!
– Seu Mário, calma, o senhor anda "molto stanco", precisa descansar, anda trabalhando demais.
– Argh!!! – pigarreou Mário e se afastou vendo se tinha mais sorte com outros destaladores.

A destala prosseguiu e ali pelas duas da manhã o monte de folhas no meio da sala já quase terminado, as mulheres na cozinha já sonolentas, Chico Furquim resolve dar um incentivo extra e proclama.
– Quem destalar a última folha ganha dez merréis!

Correria na sala. Os dois italianos quase pulam sobre o monte. As crianças que corriam se atropelam umas às outras e quase caem sobre o monte. Outros mais afoitos ainda disputam folhas rasgando-as ao meio.
            Nesse tumulto todo uma figura discreta sentada a um canto olha tudo aquilo com desdém e torce o nariz, pensando:
            – Torpes! Idiotas! O homem não disse que premiaria quem destalasse a última folha? Para que essa correria então?

E guardou uma folha sobre a perna direita enquanto os demais se engalfinhavam.

Literatura - Conto "Bolero de Ravel"

         Terminada a reunião os dois saíram da sala e se dirigiram para as escadas. Antes de subirem um aroma de café recente os chamou. 
       – Vamos tomar um cafezinho? – propôs Beth. 
       – Sim, vamos – assentiu ele. 
       Os dois, então, se dirigiram para a lanchonete que ficava ao pé da escada. 
       Eles haviam se reunido na sala de Beth, que era sobrinha e também secretária do prefeito. Este a encarregara de dar a palavra final sobre o discurso que Silvério escrevera para o tio dela usar em um evento na semana seguinte. Beth aprovara sem restrições e como tinha outra reunião em seguida precisava sair,  mas um cafezinho era irresistível. 
      – Adoçante? – perguntou Beth. 
      Ele aceitou e ela adiantou-se em lhe oferecer o saquinho. 
      Enquanto tomava o cafezinho Silvério olhava para Beth observando como era bonita. Não era de uma beleza de passarela, mas de uma formosura quase angelical realçada pelos dentes brancos e perfeitos. As sardas e os óculos davam-lhe um ar de intelectual. O seu modo de falar era, na avaliação de Silvério, nobre. Usava corretamente as concordâncias verbais, os plurais e as colocações pronominais. 
     Enquanto conversavam amenidades Silvério pensava porque não a conhecera antes. Em certo momento viu-se examinando as mãos de Beth. Nenhuma aliança nos dedos. Não devia ser casada nem noiva, concluiu. Mas talvez ela não estivesse usando aliança por tê-la perdido ou talvez por não gostar. Talvez a incomodasse. Ou porque nem se importasse com esse mero objeto. 
    Quantos anos teria? Será que morava em outra cidade e aparecera por ali depois que o tio se tornara prefeito? Todas essas perguntas eram feitas na mente de Silvério e ele às vezes tinha ímpetos de formulá-las à moça. Em seguida, rapidamente porém, ponderava que não seria educado ficar indagando de aspectos pessoais da vida dela. 
     Terminado o café e não tendo mais nada que fazer por ali naquele momento, Silvério fez menção de se despedir, mas ela o conteve segurando-o pelo braço. 
    – Espere, se importa de subirmos juntos as escadas? Pode rir, mas morro de medo de escadarias, mesmo curtas e claras como essa aí – confessou ela. 
    – Não, claro! – assentiu ele meio envergonhado e corando por ela ter-lhe segurado o braço.

     Na verdade o contato da mão de Beth fê-lo sentir-se meio amolecido. Enquanto subiam os doze degraus da escada Silvério matutava quando a veria de novo. Lembrou-se então de que ainda não haviam combinado sobre a conversa que teriam com o prefeito, tio de Beth para confirmar que o discurso estava pronto e verificar se ele queria mudar alguma coisa. 
    – Beth – indagou ele – que dia podemos conversar com o seu tio? 
    – Ah, nem precisamos. Se eu disser que está pronto e bom ele aceita sem pensar – frisou ela. 
    – Bem, é que eu... – pigarreou ele. 
    – Ah, desculpe, quer saber sobre o seu pagamento, não é? 
    – Não de jeito nenhum – enfatizou Silvério é que eu........ 
    – Sim? – insistiu ela. 
    – Bem, eu queria...– as palavras não saiam e ele corava com isso – queria saber se você gostaria de tomar café de novo amanhã – emendou ele criando coragem e até se surpreendendo com isso. 
    – Com prazer – assentiu ela e continuou – mas não aqui, claro, não é? – e riu. 
    – Claro que não, conheço um barzinho no fim da XV que tem um ótimo café. 
    – Barzinho? – perguntou ela franzindo as sobrancelhas. 
    – Bem, na verdade não é exatamente um bar , é uma espécie de quiosque, com mesinhas na calçada – explicou Silvério já mais descontraído. 
    – Ah, bom, então podemos ir sim. Ali pelas sete está bom para você? – inquiriu ela. 
    – Sim – assentiu ele. 
     Na despedida Silvério estendeu-lhe a mão e foi surpreendido com ela oferecendo-lhe o rosto para um beijo. Ele corou e desajeitadamente beijou-a no rosto de leve, mas o suficiente para sentir o cheiro de sua pele e um perfume discreto. 
    Saíram. Cada um para um lado. Silvério teve ímpetos de voltar-se para vê-la de novo, mas imaginou que se o fizesse e ela também se virasse ficaria encabulado. Então prosseguiu a passos miúdos em direção à sua casa. Pelo caminho observava casais de namorados andando abraçados ou de mãos dadas. Num quintal em frente um sabiá trinava tristemente como que chorando. Ao passar por um portão observou um gato que miou à sua passagem. Acolá um cachorro lhe abanou o rabo. Mais adiante um desconhecido o cumprimentou. Silvério meneou a cabeça e respondeu meio distraído. 
   – ‘noite. 
   – Engraçado – pensou – nunca havia prestado atenção nessas coisas antes. 

    Chegou em casa, desfez-se da roupa formal e vestiu algo descontraído. 
Olhou para o relógio da sala: sete e meia da noite. Cumprimentou sua mãe na cozinha. Voltou para a sala e ligou a TV. Inundação na Índia, ataque terrorista em Paris, gado atacado por febre aftosa no Brasil. Nada o interessava. Desligou a TV e procurou na estante de cds alguma coisa para ouvir. Decidiu-se pelo Bolero de Ravel. Colocou para tocar e preparou um copo com uísque e gelo. Sorveu um gole, deitou-se no sofá , esticou as pernas e fechou os olhos. Os acordes invadiam a sala. Ainda se viam pela fresta da janela alguns raios do sol que se punha e Silvério sentia -se flutuar à medida que a melodia variava a intensidade. 
      Acompanhava com a cabeça as variações e em dado momento viu-se regendo a orquestra e sua batuta dançava no ar. Olhava para os músicos e estes pareciam tentar pegar as notas que teimavam em fugir das partituras. 
     Sob seu comando a melodia fazia círculos em volta do palco e o público delirava. Ao final palmas e assobios. Em dado momento o próprio Ravel sobe ao palco para cumprimentá-lo. 
    –Très bon, monsieur Silvérriô. 
Ia responder em francês mas lhe ocorreu que Ravel talvez fosse espanhol. Afinal quem compôs um bolero só podia ser espanhol. Ou seria suíço? Por fim respondeu em francês mesmo. 
     – Merci, très aimable à vous. 
     – O quê? – respondeu uma voz feminina. 
     – Excuse moi, qui etes vous, Madame ? – respondeu abrindo os olhos. 
     – Acorda filho, a janta tá pronta. 
     – Janta? Ahm? O quê?.......... 
      Abriu mais os olhos e viu a silhueta de sua mãe na sala. 
     – Ta variando, filho? – inquiriu ela. 
     – Hein? 
      Percebeu então que havia cochilado e sonhado. Efeito do uísque talvez. Levantou-se e acompanhou a mãe à cozinha onde uma salada de tomate com cenoura e uma travessa de lasanha esperavam. Sentou-se e beliscou apenas um pouco de cada prato e sua mãe, surpresa , indagou. 
     – Ué!! Não gostou da comida hoje, filho? Ou tá doente? 
     – Não, mãe, é que estou sem fome hoje. 
      Sua mãe, observadora que era, percebeu um raro brilho nos olhos do filho. Estava apaixonado.

Literatura - Eugenio Montale "Na fumaça"


Nel Fumo                                                               
                (Eugenio Montale - Premio Nobel de Literatura em 1975)

Quante volte t’ho atteso alla stazione                          
Nel freddo, nella nebbia. Passeggiavo                          
Tossicchiando, comprando giornali innominabli,
Fumando Giuba, poi soppresse dal ministro                               
Dei tabacchi, il balordo!                                                  
Forse un treno sbagliato, un doppione oppure una    
Sottrazione. Scrutavo le carriole                                    
Dei facchini se mai ci fosse dentro                                
Il  tuo bagaglio, e tu dietro, in ritardo,                            .
Poi apparivi, ultima. È un ricordo                                  
Tra tanti altri. Nel sogno mi perseguita.                         .


   Na fumaça
            
Quantas vezes te esperei na estação
no frio, na neblina. Andava de um lado para outro
com minha tossezinha, comprando jornais inomináveis
fumando Giuba, depois proibido pelo ministro
Dos tabacos, o idiota!
Quem sabe um trem errado, ou desdobrado, ou talvez
cancelado. Examinava os carrinhos
dos carregadores para ver se por acaso não levavam
dentro tua bagagem, e tu seguindo, atrasada.
Por fim aparecias, a última. É apenas uma lembrança
Entre tantas outras. No sonho me persegue.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O cinema e a culinária


A culinária sempre flertou com o cinema. Os pontos comuns que os unem são a forma de expressão das imagens e as fantasias e peculiaridades  do comportamento dos grandes chefes de cozinha retratados nas telas.

Fala-se também do paralelo que o cinema costuma fazer entre comida e sexo. Ingmar Bergman dizia que sexo e fome são a mesma coisa, ambos estimulam a humanidade. São canalizadores de sensações prazerosas despertando, através de aromas e sabores, desejo e sensualidade.

Pode-se dizer que os grandes diretores se renderam ao mito da culinária e souberam aproveitá-la tanto como tema principal ou como pano de fundo de seus filmes.

Um bom  exemplo é "A festa de Babette",premiadíssimo filme dirigido por Gabriel Axel com Stephane Audran(Babette) e Bibi Anderson. As melhores cenas são as os do preparo do banquete que Babette, uma refugiada francesa oferece para o pastor que a acolheu  na Dinamarca. Os convidados jamais haviam provado comida de altíssima qualidade e sabor. Um verdadeiro jantar real francês. 

"Como água para chocolate", de Alfonso Arau, com Marco Leonardi e Lumi Cavazos(Tita) mostrava como os sentimentos de Tita passavam de suas mãos (e até lágrimas) para os pratos que preparava, indo da tristeza ao amor. A cena das lágrimas invadindo a casa é antológica.

E "Chocolate",2000,  de Lasse Halstrom,com Juliete Binoche e Johnny Depp mostra como os sabores e visuais podem mudar o humor e a postura dos personagens.

Em "A grande noite", de Campbell Scott, os irmãos Primo e Secondo chegam a Nova Jersey e abrem o restaurante, Paradise. Primo é o chef perfeccionista e Secondo é o homem dos negócios. Enquanto um se frustra constantemente com a visão americanizada da comida italiana, o outro vê no país a chance de uma nova vida. Para fazer o negócio do restaurante ir para frente eles preparam a tal Grande Noite do título, um jantar para um músico de jazz e convidados, que pode mudar a sua sorte.
Uma frase de um  convidado resume um dos pratos especiais preparado pelos irmãos: "Eu deveria te matar! Essa comida está tão boa que eu deveria te matar!"

"Julie & Julia", dirigido por Norah Ephron, começa com uma cena marcante: ao desembarcar em Rouen, com destino a Paris, no final dos anos 40, Julia (Meryl Streep) tem sua primeira refeição na França: um linguado tão majestosamente preparado, que quase a levou às lágrimas. Julia se encanta com a culinária francesa, passa a estudá-la e praticá-la e depois escreve um livro.  Anos depois, Julie Powell (Amy Adams) entediada com o casamento e com o emprego resolve fazer algo diferente e cria um blog batizado de Julie/Julia Project. Para incrementar o blog ela resolve preparar as 524 receitas do livro que Julia escreveu sobre culinária francesa.

Mas a meu ver o filme que retratou com perfeição a arte da culinária foi "O sabor da paixão", dirigido por Robert Allan Ackerman e protagonizado pela precocemente falecida Brittany Murphy. Ela interpreta Abby, que  é abandonada pelo namorado em Tóquio. Perdida e sozinha,  tenta reorganizar sua vida em um país com uma cultura completamente diferente da sua. Após perceber os efeitos que a comida de um restaurante ramen provoca nos clientes, ela fica convencida de que seu destino é se tornar uma chefe de cozinha especializada. Logo ela consegue convencer Maezumi (Toshiyuki Nishida), o dono do restaurante,  a ensiná-la a fazer um bom ramen. Apesar do atribulado relacionamento entre os dois, que nem sequer falam a mesma língua, logo ela percebe que o ingrediente mais importante é cozinhar com amor.

Outros filmes interessantes que tiveram a gastronomia ou a culinária como pano de fundo:


    Super Size Me – A dieta do palhaço
    Sideways – Entre umas e outras
    Vatel – Um banquete para o rei
    A época da inocência
    Caminhando nas nuvens
    Tomates verdes fritos
    Cartas para Julieta
    Espanglês
    Ratatouille
    A fantástica fábrica de chocolate
    Comer rezar amar

Obs.: Culinária é a arte de cozinhar e gastronomia é o conhecimento das culturas culinárias. Abrange também, as bebidas, os materiais usados na alimentação e os aspectos culturais a ela associados. Por essas razões, a gastronomia tem um foro mais alargado que a culinária, que se ocupa mais especificamente das técnicas de confecção dos alimentos.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Literatura - Camões plagiou Petrarca?


Camões plagiou Petrarca?

Alguns afirmam que o famoso soneto "Alma minha"(Soneto 19) de Camões é um plágio do Soneto 31 de Petrarca, pois as primeiras estrofes dos dois poemas são praticamente identicas como se pode ver abaixo.
Camões nasceu e morreu no século XVI (dois séculos após Petrarca) e teve acesso às obras deste último e de outros também, claro.
Acredito mais numa homenagem de Camões a Petrarca e não em plágio, pois observem que as demais estrofes não tem nada de semelhantes.
Bem, leiam os dois poemas e tirem suas conclusões.


Soneto 31 de Petrarca

Questa anima gentil che si diparte,      
anzi tempo chiamata a l'altra vita,      
se lassuso è quanto esser dê gradita,    
terrà del ciel la piú beata parte.

S'ella riman fra 'l terzo lume et Marte,
fia la vista del sole scolorita,
poi ch'a mirar sua bellezza infinita
l'anime degne intorno a lei fien sparte.

Se si posasse sotto al quarto nido,
ciascuna de le tre saria men bella,
et essa sola avria la fama e 'l grido;

nel quinto giro non habitrebbe ella;
ma se vola piú alto, assai mi fido
che con Giove sia vinta ogni altra stella.

(tradução livre)

Esta alma gentil que partiu,
antes do tempo, chamada à outra vida,
terá no céu segura acolhida
terá do céu a mais beata parte.

Se ela ficar entre a terceira luz e Marte,
será a vista do sol descolorida
depois virá, toda alma ao céu subida
em torno dela olhar sua beleza infinita

Se pousar abaixo do quarto ninho,
nenhuma das três será mais bela,
que esta só, espalhada a fama e o grito;

No quinto giro não chegara ela;
mas se voar mais alto, em muito confio
ser vencido Júpiter e cada outra estrela.




SONETO 19  de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor, que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Literatura - contistas brasileiros


O conto caracteriza-se por ser uma narrativa curta, com poucos personagens e pincelado com nuances inesperadas.  Geralmente seduz o leitor por causar efeito de curiosidade pois ele sabe que dali a poucas páginas a trama inicial  já estará resolvida.
 No Brasil esse gênero de literatura está sempre em desvantagem em face da valorização do romance, da crônica e mesmo da poesia. As editoras preferem editar textos de autores consagrados, de famosos da TV, da política ou do jornalismo e sempre rejeitam o conto sob a alegação de que "não vende". Elas tem uma falsa idéia de que o conto é um gênero secundário da literatura.
E o leitor, o que acha? Bem, se ele não apreciasse contos, então Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Monteiro Lobato,Lima Barreto, Dalton Trevisan e tantos outros que se iniciaram como contistas ou que se mantem como tal, talvez não tivessem a influencia que tem hoje e nem seriam tão conhecidos.
 Na verdade, alguns livros como "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, "Vidas secas" de Graciliano Ramos, “Sagarana” de Guimarães Rosa e "A festa" de Ivan Ângelo além de algumas criações de outros escritores são constituidos de pequenos contos.
 Reproduzo aqui alguns trechos de contos que marcaram nossa literatura e onde o leitor poderá comprovar a capacidade de nossos escritores e a beleza e o capricho de suas obras.

 No conto "Felicidade clandestina" Clarice Lispector descreve a alegria de uma menina ao conseguir pegar um livro emprestado:

 "Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
 Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.
Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
 Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante."

 Já em " Negrinha”  Monteiro Lobato narra  de forma genialmente comovente a alegria de uma filha de escravos, que era criada e maltratada pela madrinha, ao se deparar pela primeira vez com uma boneca.  Repare neste trecho:

 As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!”

     Em "A mulher do vizinho", Fernando Sabino, um dos melhores contistas brasileiros contemporâneos conta com humor a reação de uma mulher cujo marido foi repreendido por um delegado. Aqui  reproduzo o conto integralmente:
 “Contaram-me que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.
O delegado resolveu passar uma chamada no homem, e intimou-o a comparecer à delegacia.

O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fabrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele era. Obedecendo a ordem recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:

— O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.

Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:

— Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?

O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.

— Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não e gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou?

Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar humildemente:

— Da ativa, minha senhora?

E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentado:

— Da ativa, Motinha! Sai dessa...”

 Outros contos marcantes da literatura brasileira:

O homem que sabia javanês - Lima Barreto
Gaetaninho - Alcantara Machado
O homem nu - Fernando Sabino
Viagem aos seios de Duília - Aníbal Machado
O vampiro de Curitiba -Dalton Trevisan
Feliz ano novo - Rubem Fonseca
O santo que não acreditava em Deus - João Ubaldo Ribeiro
Zap - Moacir Scliar
A hora e a vez de Augusto Matraga - Guimarães Rosa

Há também os subgêneros do conto: os minicontos e os microcontos. Estes serão o tema de um próximo artigo.

Filmes antigos memoráveis


Aqui vai uma lista de 10 filmes antigos que todos que gostam de cinema deveriam (re)ver:
 1)A rosa tatuada(The rose tatoo): Produção americana de 1956, com Burt Lancaster e Anna Magnani nos principais papéis. Escrito por Tennessee Willians e dirigido por Daniel Mann. Teve 10 indicações para o Oscar e ganhou 3.
Sinopse: um bairro ítalo-americano numa cidade da Louisiana(USA) é perturbado quando a polícia mata um motorista de caminhão suspeito de contrabando
 2)Cartouche:produção francesa de 1962, com Jean Paul Belmondo e Claudia Cardinale nos principais papéis. Dirigido por Phillipe de Broca foi um dos mais famosos filmes capa-espada da época.
Sinopse: no século XVII em Paris, o ladrão Luis Dominic, apelidado Cartouche, revolta-se contra o patrão, se alista nas Forças Armadas com dois companheiros, O Míope e La Douceur. Eles decidem roubar o dinheiro dos soldados, mas o herói se envolve com uma ladra, Vênus.
 3)O sol por testemunha(Plein soleil): produção francesa de  1960, com Alain Delon, Maurice Ronet e Marie Laforet. Escrito por Patricia Highsmith teve uma refilmagem recente (O talentoso Ripley) dirigida por Anthony Minguella. O original dirigido por René Clement é muito melhor e é mais fiel à obra de Patricia.
Sinopse: Tom Ripley é enviado à Europa a fim de trazer de volta ao pai milionário, o filho playboy. Mas o filho, quando encontrado por Tom, não aceita voltar aos EUA. Ao se sentir ameaçado em seu intento, Tom mata o playboy e toma o seu lugar. Mais tarde acaba cometendo mais um crime para continuar a farsa. 
 4) O salário do medo(Le salaire de la peur): produção franco-belga de 1953 , com Yves Montand, Peter van Eick e Vera Clouzot,  dirigidos por Henri-Georges Clouzot, teve uma refilmagem americana (O comboio do medo) em 1977 com Roy Scheider.
Sinopse: Mario (Yves Montand) é um estrangeiro que vive de bicos na América do Sul e sonha em voltar para a França. Uma companhia de petróleo americana, que domina a região, propõe a Mario e outros três homens estrangeiros que levem um carregamento de nitroglicerina para explodir um poço de petróleo em chamas. Em troca eles receberão U$ 2 mil dólares. Todos estão dispostos a arriscar a vida e fazem a viagem nas esburacadas estradas, onde qualquer solavanco mais forte poderá jogar os aventureiros pelos ares
 5)Janela indiscreta (Rear window): produção americana 1954, com James Stewart e Grace Kelly (no auge da beleza). Direção de Alfred Hitchcock, recebeu 4 indicações ao Oscar. Em 1998 teve uma refilmagem com Christopher Reeves e Daryl Hannah.
Sinopse:um fotógrafo imobilizado por causa de um acidente,  começa  a vasculhar a vida de seus vizinhos e termina descobrindo o que acredita ser um assassinato.
6)Cidadão Kane (Citizen Kane): produção americana de 1941, com Orson Welles(que também dirige), Joseph Cotton, Everett Sloane, Allan Ladd e Agnes Moorehead. Muitos o consideram o melhor filme de todos os tempos.
Sinopse: baseado na vida do magnata do jornalismoWilliam Randolph Hearst (publicamente, Welles negava), e conta a história de Charles Foster Kane, um menino pobre que acaba se tornando um dos homens mais ricos do mundo.
 6)O encouraçado Potenkim (Bronenosets Potyomkin) : produção russa de 1925, dirigido por Sergei Eisenstein. Com atores russos desconhecidos é considerado uma verdadeira aula de cinema.
Sinopse: em 1905, marinheiros do navio Potenkim, do Czar, rebelam-se contra a tirania de seus comandantes e assumem o controle do navio. A população de Odessa apóia a revolta. As forças repressoras do regime czarista esmagam o movimento com extrema  violência
7)Casablanca:produção americana de 1942, com Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Carl Reins, Peter Lorre e Paul Henreid, dirigidos por Michael Curtiz. Também é considerado o filme mais amado pelos cinéfilos do mundo todo.  Ganhou 3 Oscar: melhor filme, direção e roteiro. Apresenta ainda “As time goes by” uma das melhores canções de todos os tempos.
Sinopse: Casablanca, no Marrocos era a rota obrigatória de quem pretendia  fugir dos nazistas na Segunda Guerra Mundial. É lá que Rick vai reencontrar Ilsa, anos depois de se terem apaixonado e se terem perdido em Paris.
8)Rastros de ódio(The searchers): Produção americana de 1956. Dirigido por John Ford é considerado o melhor faroeste de todos os tempos embora mostre os índios americanos como vilões. Com John Wayne em grande forma, Natalie Wood , Jeffrey Hunter e Vera Miles.
Sinopse: Ethan Edwards (John Wayne) é um homem que parte em busca de vingança contra os índios que exterminaram sua família. Ao mesmo tempo tenta resgatar, com vida, sua sobrinha, então vivendo com os índios. 
 9)Ladrões de bicicletas(Ladri di biciclette): produção italiana de 1948 e dirigida por Vittorio de Sica. Com Lamberto Magioranni, Lianella Carell e Vittorio Antonucci. Este filme influenciou toda uma geração de cineastas europeus.Teve uma refilmagem chinesa em 2003.
Sinopse: Em Roma um trabalhador de origem humilde, Antonio Ricci , necessita de sua bicicleta para trabalhar e sustentar sua família. Após resgatá-la do empenho ela  é roubada e ele fica desesperado. Juntamente com seu filho Bruno Antonio a procura pela cidade. Como não consegue encontrá-la, ele resolve cometer o mesmo crime, ou seja, rouba uma outra bicicleta.
 10)Tempos modernos(Modern times): produção americana de 1936.
Dirigida por Charles Chaplin e com o próprio no papel principal. É um mixto de comédia,drama e romance onde Chaplin contracena com a bela Paulette Goddard, musa da época.
Sinopse: Um operário de uma fábrica sofre um colapso nervoso por trabalhar de forma quase escrava. Ao se recuperar, encontra a fábrica fechada e, confundido com o líder de uma greve, acaba preso. Saindo da prisão, encontra uma jovem órfã em apuros e a ajuda. Os dois se unem atrás de emprego e vivem uma série de aventuras engraçadas e românticas.