A plantação da roça de fumo se iniciava no mês
de outubro com a preparação do canteiro. Geralmente era feito em locais baixos
e úmidos e de preferência perto de
alguma mata. No começo de janeiro, com as mudas já prontas era feito o
replantio e dois meses depois a primeira carpa. No mês de maio a planta já
soltava pendões que tinham de ser tirados para que não crescesse demais . Mais
uns quarenta dias e os brotos no vão das folhas também tinham que ser tirados.
Daí em diante as folhas
começavam a amadurecer, apresentando-se grossas meio amareladas. Inicia-se
então a panha das folhas que eram empilhadas e depois transportadas para a sede
onde eram penduradas por cerca de um mês em varões de madeira dentro de paióis
ou galpões para secagem.
Depois de secas as folhas
eram preparadas para a destala, um ritual sempre esperado pela vizinhança, pois
era praticamente quando todos se reuniam para conversas regadas a café, pinga e
bolo de fubá.
Na destala propriamente
dita cada um pegava um pouco de folhas do monte que ficava no meio da sala e ia
tirando os talos manualmente, com canivete ou faca. As folhas destaladas iam
sendo colocadas sobre as pernas e quando atingiam uma quantia que começasse a
cair eram pegas pelo coxeador que as levava para enrolar no bacamarte, uma
espécie de rosca-sem-fim talhada num rolo de madeira e no qual as folhas se
transformavam num fio de cerca de um centímetro de diâmetro.
Esse fio era, depois, trançado
em grupo de três formando uma corda que era enrolada num rolo de madeira e
junto com os demais iam para um galpão onde eram colocados em pé para cura.
Depois de alguns meses o
fumo já estava pronto para a venda ou consumo próprio.
Ali em Campo Místico as
variedades mais cultivadas eram o Barbosa, o Poço Fundo , o Goiano, o Piranchin
e o Descalvado.
Chico Furquim era um dos
produtores mais conhecidos no bairro. Ele mesmo não trabalhava em suas roças,
sempre contratava pessoas desocupadas, os chamados camaradas. No dia da destala
contratava violeiros para animar os locais e vez ou outra mandava vir de Ouro
Fino a dupla de cantores Nhô Firmino e
Nhá Zefa muito conhecida na região e grandes animadores.
Naquela noite a destala ia
adentrando a madrugada e na cozinha as mulheres não davam conta de fazer café e
bolo para o pessoal. Num canto, meio arcada, Chica Mineira dava as ordens para as
outras mulheres.
-Vamos, pessoal, esquenta
logo essa água. Florinda, mexe mais a massa!
Chica, tida como
especialista em cozinha ali no bairro sempre era requisitada e cumpria sua
missão com elogios. Nunca era paga em dinheiro, que era escasso por ali, mas
com latas de azeite, sabão em pedra ou tigelas de doces.
Nas destalas do bairro uma
figura de destaque era o coxeador Mário Boné. Cara avermelhada, mangas
arregaçadas, camisa sempre fora das calças, ia determinando o ritmo da destala,
ora ralhando com as crianças que corriam
pela sala , ora repreendendo os relapsos
e devolvendo as folhas mal destaladas.
-Moleques, parem com esse
frege! Olha aqui, seu Tranquinha, isso é jeito de destalar? Que serviço porco!!
Pode fazer tudo de novo e de roda batida, viu?
Ninguém ousava
contestá-lo. Tinha décadas de prática e jeito para comandar a destala e coxear
os rolos de fumo.
Na destala alguns
apareciam apenas para aproveitar a oportunidade para comer bolo e beber pinga
de graça. Outros para flertar com as moças da vizinhança. Notava-se
perfeitamente pelas mãos ensebadas pelo fumo quem realmente estava trabalhando
e quem só enganava.
– Seu Chico – reclamava
Mario Boné – nunca mais chame esses filhos do Manézinho, pois esse pessoal só
vem às destalas para atrapalhar, beber e fazer folia. Agora há pouco, estavam
bêbados e brincando de um carregar o outro nas costas. Enquanto isso o monte de
fumo ali no meio esperando......
– Deixe eles, Mário. O Manézinho é meu compadre e os rapazes
gostam de aproveitar para se divertir um pouco.
Num canto da sala, dois
italianos, com algumas folhas destaladas nas pernas, comentavam tudo que se
passava. Não lhes escapava nada nem ninguém.
– Tonico, valda quella
ragazza.....
– Si, Gusto. Che c’è?
– Desde que chegamos ela
não destalou uma folha sequer. Só ficou conversando com o filho do Bataginni.
– Quem é ela, Gusto?
– É a filha do João
Alemão, aquele da serraria.
– Nossa! Como ela cresceu
e virou uma môça. Nem a reconheci, Gusto.
Nisso, Mário Boné se
aproximou para pegar mais folhas destaladas e vendo que os dois não tinham aprontado quase nada, vociferou:
– Seus molóides! Ficam
especulando o tempo todo e não destalam nada! Que raça, esses italianos!!
– Seu Mário, calma, o
senhor anda "molto stanco", precisa descansar, anda trabalhando demais.
– Argh!!! – pigarreou
Mário e se afastou vendo se tinha mais sorte com outros destaladores.
A destala prosseguiu e ali
pelas duas da manhã o monte de folhas no meio da sala já quase terminado, as
mulheres na cozinha já sonolentas, Chico Furquim resolve dar um incentivo extra
e proclama.
– Quem destalar a última
folha ganha dez merréis!
Correria na sala. Os dois
italianos quase pulam sobre o monte. As crianças que corriam se atropelam umas
às outras e quase caem sobre o monte. Outros mais afoitos ainda disputam folhas
rasgando-as ao meio.
Nesse tumulto
todo uma figura discreta sentada a um canto olha tudo aquilo com desdém e torce
o nariz, pensando:
– Torpes!
Idiotas! O homem não disse que premiaria quem destalasse a última folha? Para
que essa correria então?
E guardou uma folha sobre
a perna direita enquanto os demais se engalfinhavam.
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