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domingo, 10 de junho de 2012

Literatura - Conto "Bolero de Ravel"

         Terminada a reunião os dois saíram da sala e se dirigiram para as escadas. Antes de subirem um aroma de café recente os chamou. 
       – Vamos tomar um cafezinho? – propôs Beth. 
       – Sim, vamos – assentiu ele. 
       Os dois, então, se dirigiram para a lanchonete que ficava ao pé da escada. 
       Eles haviam se reunido na sala de Beth, que era sobrinha e também secretária do prefeito. Este a encarregara de dar a palavra final sobre o discurso que Silvério escrevera para o tio dela usar em um evento na semana seguinte. Beth aprovara sem restrições e como tinha outra reunião em seguida precisava sair,  mas um cafezinho era irresistível. 
      – Adoçante? – perguntou Beth. 
      Ele aceitou e ela adiantou-se em lhe oferecer o saquinho. 
      Enquanto tomava o cafezinho Silvério olhava para Beth observando como era bonita. Não era de uma beleza de passarela, mas de uma formosura quase angelical realçada pelos dentes brancos e perfeitos. As sardas e os óculos davam-lhe um ar de intelectual. O seu modo de falar era, na avaliação de Silvério, nobre. Usava corretamente as concordâncias verbais, os plurais e as colocações pronominais. 
     Enquanto conversavam amenidades Silvério pensava porque não a conhecera antes. Em certo momento viu-se examinando as mãos de Beth. Nenhuma aliança nos dedos. Não devia ser casada nem noiva, concluiu. Mas talvez ela não estivesse usando aliança por tê-la perdido ou talvez por não gostar. Talvez a incomodasse. Ou porque nem se importasse com esse mero objeto. 
    Quantos anos teria? Será que morava em outra cidade e aparecera por ali depois que o tio se tornara prefeito? Todas essas perguntas eram feitas na mente de Silvério e ele às vezes tinha ímpetos de formulá-las à moça. Em seguida, rapidamente porém, ponderava que não seria educado ficar indagando de aspectos pessoais da vida dela. 
     Terminado o café e não tendo mais nada que fazer por ali naquele momento, Silvério fez menção de se despedir, mas ela o conteve segurando-o pelo braço. 
    – Espere, se importa de subirmos juntos as escadas? Pode rir, mas morro de medo de escadarias, mesmo curtas e claras como essa aí – confessou ela. 
    – Não, claro! – assentiu ele meio envergonhado e corando por ela ter-lhe segurado o braço.

     Na verdade o contato da mão de Beth fê-lo sentir-se meio amolecido. Enquanto subiam os doze degraus da escada Silvério matutava quando a veria de novo. Lembrou-se então de que ainda não haviam combinado sobre a conversa que teriam com o prefeito, tio de Beth para confirmar que o discurso estava pronto e verificar se ele queria mudar alguma coisa. 
    – Beth – indagou ele – que dia podemos conversar com o seu tio? 
    – Ah, nem precisamos. Se eu disser que está pronto e bom ele aceita sem pensar – frisou ela. 
    – Bem, é que eu... – pigarreou ele. 
    – Ah, desculpe, quer saber sobre o seu pagamento, não é? 
    – Não de jeito nenhum – enfatizou Silvério é que eu........ 
    – Sim? – insistiu ela. 
    – Bem, eu queria...– as palavras não saiam e ele corava com isso – queria saber se você gostaria de tomar café de novo amanhã – emendou ele criando coragem e até se surpreendendo com isso. 
    – Com prazer – assentiu ela e continuou – mas não aqui, claro, não é? – e riu. 
    – Claro que não, conheço um barzinho no fim da XV que tem um ótimo café. 
    – Barzinho? – perguntou ela franzindo as sobrancelhas. 
    – Bem, na verdade não é exatamente um bar , é uma espécie de quiosque, com mesinhas na calçada – explicou Silvério já mais descontraído. 
    – Ah, bom, então podemos ir sim. Ali pelas sete está bom para você? – inquiriu ela. 
    – Sim – assentiu ele. 
     Na despedida Silvério estendeu-lhe a mão e foi surpreendido com ela oferecendo-lhe o rosto para um beijo. Ele corou e desajeitadamente beijou-a no rosto de leve, mas o suficiente para sentir o cheiro de sua pele e um perfume discreto. 
    Saíram. Cada um para um lado. Silvério teve ímpetos de voltar-se para vê-la de novo, mas imaginou que se o fizesse e ela também se virasse ficaria encabulado. Então prosseguiu a passos miúdos em direção à sua casa. Pelo caminho observava casais de namorados andando abraçados ou de mãos dadas. Num quintal em frente um sabiá trinava tristemente como que chorando. Ao passar por um portão observou um gato que miou à sua passagem. Acolá um cachorro lhe abanou o rabo. Mais adiante um desconhecido o cumprimentou. Silvério meneou a cabeça e respondeu meio distraído. 
   – ‘noite. 
   – Engraçado – pensou – nunca havia prestado atenção nessas coisas antes. 

    Chegou em casa, desfez-se da roupa formal e vestiu algo descontraído. 
Olhou para o relógio da sala: sete e meia da noite. Cumprimentou sua mãe na cozinha. Voltou para a sala e ligou a TV. Inundação na Índia, ataque terrorista em Paris, gado atacado por febre aftosa no Brasil. Nada o interessava. Desligou a TV e procurou na estante de cds alguma coisa para ouvir. Decidiu-se pelo Bolero de Ravel. Colocou para tocar e preparou um copo com uísque e gelo. Sorveu um gole, deitou-se no sofá , esticou as pernas e fechou os olhos. Os acordes invadiam a sala. Ainda se viam pela fresta da janela alguns raios do sol que se punha e Silvério sentia -se flutuar à medida que a melodia variava a intensidade. 
      Acompanhava com a cabeça as variações e em dado momento viu-se regendo a orquestra e sua batuta dançava no ar. Olhava para os músicos e estes pareciam tentar pegar as notas que teimavam em fugir das partituras. 
     Sob seu comando a melodia fazia círculos em volta do palco e o público delirava. Ao final palmas e assobios. Em dado momento o próprio Ravel sobe ao palco para cumprimentá-lo. 
    –Très bon, monsieur Silvérriô. 
Ia responder em francês mas lhe ocorreu que Ravel talvez fosse espanhol. Afinal quem compôs um bolero só podia ser espanhol. Ou seria suíço? Por fim respondeu em francês mesmo. 
     – Merci, très aimable à vous. 
     – O quê? – respondeu uma voz feminina. 
     – Excuse moi, qui etes vous, Madame ? – respondeu abrindo os olhos. 
     – Acorda filho, a janta tá pronta. 
     – Janta? Ahm? O quê?.......... 
      Abriu mais os olhos e viu a silhueta de sua mãe na sala. 
     – Ta variando, filho? – inquiriu ela. 
     – Hein? 
      Percebeu então que havia cochilado e sonhado. Efeito do uísque talvez. Levantou-se e acompanhou a mãe à cozinha onde uma salada de tomate com cenoura e uma travessa de lasanha esperavam. Sentou-se e beliscou apenas um pouco de cada prato e sua mãe, surpresa , indagou. 
     – Ué!! Não gostou da comida hoje, filho? Ou tá doente? 
     – Não, mãe, é que estou sem fome hoje. 
      Sua mãe, observadora que era, percebeu um raro brilho nos olhos do filho. Estava apaixonado.

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