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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Literatura - contistas brasileiros


O conto caracteriza-se por ser uma narrativa curta, com poucos personagens e pincelado com nuances inesperadas.  Geralmente seduz o leitor por causar efeito de curiosidade pois ele sabe que dali a poucas páginas a trama inicial  já estará resolvida.
 No Brasil esse gênero de literatura está sempre em desvantagem em face da valorização do romance, da crônica e mesmo da poesia. As editoras preferem editar textos de autores consagrados, de famosos da TV, da política ou do jornalismo e sempre rejeitam o conto sob a alegação de que "não vende". Elas tem uma falsa idéia de que o conto é um gênero secundário da literatura.
E o leitor, o que acha? Bem, se ele não apreciasse contos, então Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Monteiro Lobato,Lima Barreto, Dalton Trevisan e tantos outros que se iniciaram como contistas ou que se mantem como tal, talvez não tivessem a influencia que tem hoje e nem seriam tão conhecidos.
 Na verdade, alguns livros como "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, "Vidas secas" de Graciliano Ramos, “Sagarana” de Guimarães Rosa e "A festa" de Ivan Ângelo além de algumas criações de outros escritores são constituidos de pequenos contos.
 Reproduzo aqui alguns trechos de contos que marcaram nossa literatura e onde o leitor poderá comprovar a capacidade de nossos escritores e a beleza e o capricho de suas obras.

 No conto "Felicidade clandestina" Clarice Lispector descreve a alegria de uma menina ao conseguir pegar um livro emprestado:

 "Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
 Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.
Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
 Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante."

 Já em " Negrinha”  Monteiro Lobato narra  de forma genialmente comovente a alegria de uma filha de escravos, que era criada e maltratada pela madrinha, ao se deparar pela primeira vez com uma boneca.  Repare neste trecho:

 As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!”

     Em "A mulher do vizinho", Fernando Sabino, um dos melhores contistas brasileiros contemporâneos conta com humor a reação de uma mulher cujo marido foi repreendido por um delegado. Aqui  reproduzo o conto integralmente:
 “Contaram-me que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.
O delegado resolveu passar uma chamada no homem, e intimou-o a comparecer à delegacia.

O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fabrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele era. Obedecendo a ordem recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:

— O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.

Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:

— Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?

O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.

— Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não e gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou?

Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar humildemente:

— Da ativa, minha senhora?

E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentado:

— Da ativa, Motinha! Sai dessa...”

 Outros contos marcantes da literatura brasileira:

O homem que sabia javanês - Lima Barreto
Gaetaninho - Alcantara Machado
O homem nu - Fernando Sabino
Viagem aos seios de Duília - Aníbal Machado
O vampiro de Curitiba -Dalton Trevisan
Feliz ano novo - Rubem Fonseca
O santo que não acreditava em Deus - João Ubaldo Ribeiro
Zap - Moacir Scliar
A hora e a vez de Augusto Matraga - Guimarães Rosa

Há também os subgêneros do conto: os minicontos e os microcontos. Estes serão o tema de um próximo artigo.

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